E sofre por amor, como todas elas, como toda mulher. Incrível como algumas coisas ocorrem. No caso do Tio, quando estas certas coisas ocorrem, só reforçam sua crença em um ligação espiritual e energética entre as pessoas. Explico. Ela estava sentada na mesinha próxima ao sofá. Sobre a mesa estava o brinquedo “Pula Macaco“, que algumas crianças tinham brincado há pouco. Após tentar a sorte no vídeo-game e tomar uma surra de um garotinho, pra variar, o Tio deu uma volta, trocou umas palavras com a outra Tia do dia (muito legal, por sinal), olhou a estante em busca de algum livro que lhe chamasse a atenção, mas acabou sentando-se na mesa, ao lado da Mãe.
Na verdade, ela é a mãe da mãe, a avó. O curioso é que isso é raro, pois o Tio acaba sempre buscando uma criança ou sentando-se sozinho mesmo, para ler algo.
Começaram a conversar e ela quis saber a quanto tempo ele era voluntário e suas razões para isso. O Tio explicou que gosta de ser voluntário, que já fazia isso em outra ONG e que, enfim, era um sacrifício muito pequeno, se comparado ao imensurável benefício que traz para todos (ele mesmo, inclusive). Num determinado momento do bate-papo, ela teve que se referir à filha (mãe do garoto, paciente) e começou a chorar. Ela se esforçava para conter o choro, mas não conseguiu impedir que seus olhos marejassem. O Tio aguardou.
Ela explicou a ele que a filha tinha falecido há um mês, “E ainda não consegui aceitar”, disse. O Tio disse que sentia muito e continuou ouvindo sua história. Aos 43 anos, sua filha teve um aneurisma repentino, sem mais nem menos, irremediável e segundo os médicos que a atenderam, imprevisível. Não houve adeus e a Mãe não se conformava. Sua filha era saudável, sentia-se no melhor momento de sua vida e o câncer de seu filho (de sete anos) estava basicamente superado, apenas no que os médicos chamam de manutenção (visitas periódicas, para o resto da vida, para checar se está tudo bem). Além disso, era sua filha mais próxima, mais amiga, mais companheira e confidente. A Mãe sentia-se triste, sozinha, sem chão e sentia que não tinha dito tudo o que gostaria de dizer. Ela ficava ainda mais angustiada, pois sua tristeza causava desconforto no resto da família.
O Tio ouvia sua história e pensava nas provas que algumas pessoas têm de passar, em como podem ser tão difíceis. Certamente era uma dor inimaginável para o Tio. Rapidamente ele entendeu porque tinha sentado ali, aparentemente sem motivo. Ele precisava ouvi-la e, se possível, dizer algo que ajudasse a diminuir sua dor. No entanto, era um momento novo para ele. No treinamento para o voluntariado já haviam alertado que isso poderia acontecer. Que muitas vezes os parentes precisam de alguém para desabafar. Era a primeira vez que isso acontecia com o Tio e ele queria realmente ajudá-la, esforçando-se para trazer o que de melhor ele possuia, em relação a crenças e experiências. Conversaram por um bom tempo e parece que aquele momento foi bom para ambos. Enquanto ela pensava nas coisas que o Tio dizia e lhe perguntava detalhes sobre algumas de suas crenças, o Tio também refletia sobre tudo aquilo e aprendia um pouco mais sobre o ser humano.
Por fim, após algum tempo, já mais tranquila, ela contou sobre um passeio que fizeram, ela, a filha e os netos, no fim do último ano, com tudo pago pelo Projeto Felicidade, uma iniciativa fantástica, que o Tio não conhecia ainda, que permite às famílias e pacientes viverem momentos maravilhosos, com estadia em Hotéis, passeios em parques, etc. “Foi inesquecível!”, disse. “Olha só, parece que foi o momento de vocês, antes da partida de sua filha, não é?”, comentou o Tio. Um de seus netos veio chamá-lo, para jogarem o “vai-e-vem”. “Foi muito bom o passeio, não foi meu bem?”, perguntou ela. “Foi, fomos até na Mônica!”, respondeu o neto, que insistiu com o Tio para irem brincar. “Não fique assim não, tá vendo, você ainda tem essas vidinhas lindas aqui para curtir muito!”, disse o Tio indo brincar.