“Que bom que eu existo!”, disse ele. “É? Por quê?”, a Tia perguntou. “Porque tem tantas brincadeiras!”, disse o garotinho, num desses momentos mágicos de espontaneidade e inocência que as crianças são capazes de proporcionar. A Tia ficou surpresa. Afinal, ele só tinha 6 anos. Foi contar ao Tio, “Você acredita?”, perguntou ela, ainda encabulada. “Que legal!”, disse o Tio, pouco inspirado, com a mente já longe, pensando nas discussões sobre o aborto que tantas vezes presenciou.
Tinha sido uma tarde agradável na brinque, tranquila e com umas crianças bem legais, a fim de brincar com o Tio. Ele tinha jogado futebol de prego, com um torcedorzinho do Corinthians. Foi uma festa, com direito à narração ao estilo “Gavião bueno” e emoções de final de campeonato! O gurizinho também sabia tudo do time do Tio, o Inter, e era fã do D’Alessandro. No mais, um dia normal.
Voltando ao tema principal, o Tio ficou pensando que aquela criança nem poderia imaginar o alcance do que ela tinha dito tão naturalmente. O curioso é que na sua inocência e alegria infantil, a criança consegue experimentar intensamente o significado dessa coisa rara, que é viver. O Tio mesmo, já ficou danado da vida muitas vezes, por ver como tantas pessoas dão pouco valor à vida. Mas ali, após ver uma criança dizer aquilo, ele ficou feliz.
Feliz, por ver que a gente, todos nós, mesmo os que defendem o aborto, agora que são “adultos” e “conscientes”, já sentiram na infância a mesma sensação daquela criança. Já pensaram e ficaram eufóricas diante da possibilidade da brincadeira, do brinquedo, da festa. As crianças são seres especiais, pois nos mostram que em qualquer situação é possível, ainda assim, sentir alegria por viver. O Tio se irrita, mas entende a mudança que ocorre nos adultos. Após a infância, as responsabilidades tomam conta de quase todo o nosso tempo, não sobrando quase nenhum momento em que possamos nos sentir leves. Leve… É bem isso, não? Como se só aquele momento e lugar existissem, um momento de experiência plena, todos os sentidos direcionados para o mesmo ponto.
Era assim que aquela criança se sentia, e é assim de desaprendemos a nos sentir. Que pena. O Tio ficou pensando muito naquilo, em como poderíamos recuperar mais momentos de leveza em nossas vidas. O Tio sabe que isso é possível. Ele mesmo, consegue criar alguns desses momentos, embora não tantos quanto desejasse. Talvez devamos observar mais as crianças, para reaprender com elas a ver o mundo através dos óculos da imaginação.
Temos que nos tornar capazes de dizer, a despeito das dificuldades, “Que bom que eu existo! Tem tantas brincadeiras!”.