Seria possível que a vida fosse algo completamente distinto daquilo que até hoje concebi? Que a realidade fosse outra? Que mesmo tendo olhos e ouvidos saudáveis, eu tenha permanecido cego e surdo a esta realidade por 20, 40, 80 anos? Será que nem mesmo fui capaz de senti-la, nas brisas que tocaram meu rosto, no chão que meus pés pisaram, no barro que minhas mãos moldaram, na água que banhou meu corpo e o hidratou? Será que mesmo diante de tantas evidências, tantas informações, de reiteradas tentativas da vida de me acordar para ela, eu ainda assim me mantive inacessível a seus mais altos brados, a seus mais sutis sussurros?
Como fui capaz de chegar até aqui, em minha vida, sem questionar as concepções abraçadas por inércia, por falta de coragem para “alongar” meu espírito e desatrofiar minha mente e corpo? Como pude acreditar que morreria como nasci e fui criado, fadado a repetir os mesmos erros, meus e de meus pais, fadado a emitir sempre as mesmas opiniões vazias e superficiais, a ser medíocre por toda uma vida, simplesmente por medo da mudança, por vaidade e orgulho, por preguiça e autopiedade? Como eu pude fugir assim ao bom combate e aceitei viver sem vida, uma pedra a rolar na ribanceira sem qualquer escolha ou vontade própria?
Quando foi que acreditei ou comecei a acreditar que eu não podia? Que eu não valia a pena? Que eu era um fraco, um covarde? Quando foi que comecei a sentir pena de mim, por ninguém me dar valor ou por me injustiçarem, sem encarar a assustadora verdade: eu é que nunca me dei valor, eu é que nunca fiz justiça a mim mesmo? Quando foi que comecei a colocar toda a culpa pelo meu fracasso nos outros, nos meus pais, irmãos, chefe, governo? Quando foi que comecei a acreditar que meu destino estava nas mãos de outros?
Quando foi que deixei de rir, de me encantar com o mundo, de querer aprender, de querer voar, ser bombeiro, astronauta ou mesmo cabeleireiro, vendo beleza nas coisas mais singelas? Quando foi que desaprendi a cair e levantar, a rir de uma queda, de um erro, de uma gafe? A me divertir simplesmente por existir, por estar vivo? Em que infeliz momento de minha jornada eu tirei a felicidade de dentro do meu coração e a deixei pelo caminho?
Hoje estou aqui. “Hoje” e “aqui” são palavras eternamente novas, sempre à espera de que eu as dê vida, simplesmente vivendo o momento, quando e onde estiver. Não importa quantos anos se passaram, nem quantos estão por vir. Nada disso, passado ou futuro, existe. Só o presente. Nesse momento eu respiro, meu corpo pulsa, minha mente cria. Nesse momento, sou um ser único, num momento único. Nesse momento, posso ter a coragem de aceitar que eu nunca soube o que é a vida de fato. Que vivi por muito tempo entendendo tudo errado. É preciso coragem para aceitar isso e recomeçar. É preciso tomar uma decisão: acreditar na vida e sua beleza divina, custe o que custar. E vai custar. Terei que olhar para os erros passados e aprender tudo de novo, terei que persistir, ter paciência.
Hoje posso ter orgulho de mim por deixar para trás meus comportamentos infantis, infelizes. Aprender a amar as pessoas do jeito certo, sem querer que sejam o que quero, mas simplesmente amá-las. Aceitar que sei pouco e que posso aprender com qualquer um, seja ele mais novo ou mais velho. Falar menos, ouvir mais. Ter humildade e fé nas pessoas, em mim e em Deus. Entender que só eu me faço mal, que ninguém pode me ferir ou prejudicar, se meu coração, se meu espírito estiver forte. Entender que posso estar bem, mesmo se tudo ao meu redor estiver em confusão e dor. Hoje eu posso renascer. Posso começar uma nova vida. Posso aprender de novo. Posso sorrir. Posso brincar. Hoje posso ser o filho que abre um belo sorriso para o Pai e com toda a confiança tenta dar o primeiro passo em sua direção. Hoje, aqui, agora, eu posso ser.
E posso, assim como o sol, começar cada dia disposto a brilhar, por mais que nuvens tentem impedir. Posso transformar todo o meu futuro num grande “hoje e aqui” eterno, nunca igual, sempre novo em aprendizado, em vida.
Nem antes, nem depois. Só hoje, só aqui. Eternamente.