Nos últimos tempos, me vi caindo em velhas armadilhas emocionais: acabei vivendo discussões muito desgastantes na minha família, por conta de novas repetições de velhas e conhecidas situações às quais eu, por orgulho, infantilidade e um senso bem superficial de “justiça”, não fui capaz de reagir diferentemente do que já havia feito em outras ocasiões. Mas, apesar de ter caído na armadilha, por estar um pouco mais maduro eu tinha agora mais bagagem para refletir criticamente sobre o ocorrido. E, ao fazer isso, descobri minha contribuição para tais episódios infelizes e, ainda mais importante, percebi em quê eu poderia mudar para não mais cair nessas armadilhas.

O mundo físico é regido pela lei de ação e reação. O mundo humano, em geral e por falta de reflexão, também. A diferença é que podemos (se nos esforçarmos) escolher nossa reação a certos estímulos, de modo a obter resultados diferentes. Vejo a discussão como uma combustão: para que ocorra, é preciso a colaboração de uma substância “combustível” e de outra “comburente”. Sem uma delas, não há combustão. E, na combustão, as duas se consomem. Entre pessoas, as discussões são determinadas pelo grau de anuência de cada uma aos papéis de combustível e comburente. Temos a oportunidade, portanto, de assumir uma posição crítica em relação aos papéis que se colocam numa discussão. Posso simplesmente escolher não atuar, se forem estas as únicas opções. Assim, o combustível (ou comburente) pode querer muito, mas não vai produzir sozinho a combustão (embora vá desgastar-se a si mesmo neste esforço).

Após episódios de discussão, tento sempre me fazer algumas perguntas, com o objetivo de quebrar estes círculos viciosos tão desgastantes:

  1. Isso já aconteceu antes comigo?
  2. Se sim, o que eu ainda não entendi em relação a estes episódios? Por que eu não consigo evitar de assumir um ou outro papel? O que há em mim de tão altamente combustível ou tão altamente comburente?
  3. Eu gostaria que acontecesse novamente?
  4. Se não, o que eu poderia (não) ter feito para evitar o que ocorreu?
  5. O que precisaria mudar em mim (pois não controlamos os outros), para que essa situação nunca mais se repita?

E, por trás de todas essas questões, está uma ainda mais importante: eu acredito que alguém pode “ganhar” algo num episódio desses? Eu acredito que há uma “vítima” ou um “algoz” nesses episódios? Se minha resposta for “sim”, é muito provável que eu continue preso a esses círculos viciosos ainda por muito tempo. Hoje entendo que uma das maiores infantilidades que podemos carregar é achar que podemos “vencer o outro” (ou sermos vencidos) numa discussão. Como numa combustão, em que nenhuma substância “vence” já que ambas se consomem. A única coisa que ambos podem ganhar numa discussão é a oportunidade de repensar seus atos e crescer, pois uma discussão em geral expõe nossas maiores fragilidades. Para além disso, tudo é perda (emocional, física e afetiva).

Se refletirmos o bastante sobre estas perguntas e retomarmos na memória as discussões, agora sob a luz dessas reflexões, vamos terminar por adquirir a capacidade de nos distanciarmos emocionalmente da situação, o que nos permitirá conquistar a lucidez necessária para evitar estas situações no futuro. Não há dúvida de que, em geral, essas situações são meras repetições de padrões internalizados há muito tempo. Só mudam de “endereço”, mas são sempre semelhantes. Não seria a melhor coisa do mundo se nos libertássemos desses padrões? E há ainda outro ganho fundamental: ao se conhecer e compreender melhor como entramos nestas situações, vamos também ampliar nossa compreensão do outro, aprendendo melhores formas de lidar com ele.

E quando a gente compreende melhor o outro, a gente vê que essas discussões só ocorrem por que ambos estão fragilizados. E então abre-se novamente o espaço para o amor e o tempo fazerem seu trabalho.